Como foi referido, a alimentação em Portugal é herdeira da cultura alimentar caraterística da antiguidade clássica onde a utilização do azeite era fator distintivo e mesmo diferenciador no que respeita ao conceito de território civilização e território bárbaro, sendo a oposição entre o azeite e a gordura animal. A pátria romana seriam todos os territórios onde se encontrava o cultivo da vinha, do trigo e da oliveira. Óleo sagrado para os romanos e gregos, o azeite beneficia da sacralização imposta pelo Cristianismo que nele vê o óleo sagrado usado para ungir os filhos de Deus.
Num contexto de grande influência da cultura alimentar mediterrânica assistimos à preponderância do azeite na nossa alimentação. No entanto, há que esmiuçar esta afirmação porquanto a sua utilização não é uniforme em todo o território, nem podemos dizer que seja predominante na tradição gastronómica portuguesa. “Pelas suas propriedades, esta gordura vegetal foi utilizada, fundamentalmente, como alimento, combustível e curativo. Na sua primeira função, diga-se que o azeite pertence a uma cultura alimentar, de tipo mediterrânico, que se carateriza pelo emprego dominante de gorduras vegetais face às de gordura animal.
Porém, o que descobrimos nas fontes medievais portuguesas foi precisamente o contrário. À parte de ser utilizado no tradicional refogado, composto por cebola e azeite, e nas frituras de peixe e de carne, esta gordura, de uma maneira geral, teve nas cozinhas, e neste período, uma presença reduzida.”[1]
Na verdade, a produção de azeite, ainda que abundante a Sul do país e mais rara no Norte, era canalizada para o que se considerava ser a principal função daquele combustível, a iluminação. Numa época em que não existiriam muitas outras alternativas, o azeite era utilizado para a iluminação, quer sagrada, quer profana. “Luz de que todos necessitavam nas casas, nas ruas, nas igrejas, nos castelos, nos palácios. Temos notícias de lâmpadas, lamparinas, candeeiros, candeias e outros objetos que, cheios de azeite, alumiavam os vivos e os mortos. De noite ou de dia, o homem medieval, sobretudo o mais rico, parece ter preferido o azeite, à cera ou ao sebo, como fonte de iluminação.
Como sabemos, no mundo cristão ocidental, a presença de luz nas igrejas e capelas, nos ofícios religiosos, e não só, era indispensável. O azeite, além de alimentar os corpos, iluminava as almas, permitindo com a sua luz, que elas alcançassem o caminho da salvação eterna.”[2] Por este caráter sagrado do azeite, este era objeto de dádiva, quer a mosteiros, quer a igrejas, restando muito pouco para a alimentação.
Talvez porque a produção era desviada para a principal função do azeite na Idade Média, não se verifica grande aplicação esta gordura vegetal predominando as gorduras animais como a banha e o toucinho. Na verdade, não só isto era verdade em territórios onde a oliveira não tinha grande expressão como o Norte, mas também parece uma evidência no restante território onde a produção de azeite era mais abundante.
O azeite teria maior preponderância de utilização nos dias de jejum, ou seja, nos dias em que, por imposição da Igreja Católica, não estavam os fiéis autorizados ao consumo de produtos animais. No receituário dos dias de peixe percebe-se a substituição da gordura animal pela vegetal. Talvez por esta razão, seja secular a aliança gastronómica entre o bacalhau e o azeite. Sendo o primeiro um alimento que ganhou peso no quotidiano alimentar dos portugueses pela elevado número de dias jejum, teria necessariamente que ser cozinhado com gordura vegetal.
Para além desta conjugação com as receitas de peixe por motivos religiosos, a banha dominava. Uma análise às receitas apresentadas no Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal diz-nos que a sua utilização era muito precária, pois só se nota a referência a essa gordura em apenas cinco pratos dos sessenta e um ali referidos. Tal referência permite-nos concluir que o predomínio da banha, do toucinho e da manteiga fazia-se sentir-se, quer na mesa parca e frugal do campesinato, quer na mesa farta e abastada dos mais ricos.
[1] SANTOS, Maria José A., “O Azeite e a Vida do Homem Medieval” in Estudos em Homenagem o Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias, vol. II, Faculdade de Letras, Porto, 2006,pp. 146
[2] SANTOS, Maria José A., “O Azeite e a Vida do Homem Medieval” in Estudos em Homenagem o Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias, vol. II, Faculdade de Letras, Porto, 2006,pp. 147