As dificuldades a que o campesinato estava sujeito não o fazia desperdiçar muitos animais na alimentação. Sobressai o porco pela facilidade, quer na criação (um animal que se alimentava de quase tudo), quer na conservação das suas carnes, ora pelo fumeiro, ora pela salgadeira, ora na banha. Morto por alturas do Natal, tempo oportunamente frio, do porco tudo se aproveitava e era sustento dos mais pobres, ora enriquecendo os caldos com o resultado do fumeiro, ora satisfazendo uma gula tímida em dias de festa com as carnes da salgadeira ou conservadas em banha.
Já os ovinhos e os caprinos eram valorizados pelo leite e pela lã que forneciam e, por isso, o seu consumo era comedido, sobretudo, entre os menos abonados. Estes, antes de sacrificar o animal, pensavam como tal iria subtrair nos proveitos do leite e da lã, e no caso de o sacrificarem pensavam como poderiam ganhar bom dinheiro com a venda, sendo o consumo próprio do animal muito raro. “(…) As ovelhas e as cabras eram comidas velhas, depois de esgotadas as suas capacidades de produção de lã e de leite.”[1] Dependentes de uma alimentação generosa e de fácil acesso, os grandes rebanhos de ovinos passavam o Verão nas Serras da Estrela, da Peneda e do Gerês e no Inverno iam, em transumância, para as planícies do Alentejo, menos frias e com mais pasto.
Se no planalto dominava o gado ovino, nos territórios mais acidentados e mais pobre de vegetação sobressai o caprino que “(…) que se alimentava de pastagens que com dificuldade outros componentes do rebanho saberiam aproveitar.”[2] A morfologia física dos caprinos que lhe permitiam empoleirarem-se em terrenos escarpados e de difícil acesso a outros animais como ovelhas e carneiros e a sua facilidade em se contentarem com vegetação pobre, fez com que dominassem em algumas regiões do país onde as condições geográficas não permitiam predomínio do gado ovino.
Já o gado bovino assumia um importante papel na atividade agrícola tão necessária para a subsistência do homem, por isso, a sua carne era muito valorizada e raramente os animais eram sacrificados. Auxiliar do homem medieval nas tarefas agrícolas, os bovinos eram consumidos quando atingiam o limite de vida útil na exigente tarefa agrícola. Para além disso, os bovinos predominavam em locais onde a alimentação era mais facilitada para animais de tão exigente contento, neste caso, mais presentes ora no Ribatejo, ora no Minho.
As aves de capoeira eram uma companhia na parca e frugal mesa campesina medieval. De fácil cuidado, as aves de capoeira onde se destacam as galinhas acompanhadas de patos, gansos, pombos, rolas, permitiam a subsistência dos mais pobres que comiam estes animais, aproveitando, ainda os ovos e as penas. “A necessidade de assegurar o abastecimento de ovos e uma grande procura por parte dos senhores obriga os camponeses a restringir o seu consumo de aves de capoeira que são, por esta razão, reservadas para os doentes e para os dias de festa.”[3]
Falar de alimentação na Idade Média obriga necessariamente a falar dos produtos obtidos pela caça e que constituíam um acrescento à mesa medieval, quer de ricos, quer de pobres. Ainda que muitos espaços estivessem reservados ao poder senhorial sob a forma de coutadas, alguns espaços livres permitiam a caça de pequeno porte que servia de aconchego para a mesa mais frugal do campesinato. “O Portugal medievo era um país de coutadas e de baldios. A caça incluía-se entre as principais distrações do nobre e representava para o vilão fonte importante de subsistência”[4]
Sendo Portugal um país de influência atlântica com uma costa soberba e com vários rios a atravessá-lo, o peixe tinha também a sua importância na alimentação dos portugueses, quer dos mais ricos, quer dos mais pobres, quer dos que viviam no litoral onde chegavam barcas carregados peixe, quer no interior onde os rios permitiam um abundante fornecimento[5]. Por isso, para além dos dias de jejum impostos pelo calendário religioso, o peixe tinha a sua importância à mesa onde chegava, ora grelhado diretamente sobre as brasas, ora frito em azeite depois de envolvido em farinha.” No litoral, quase todas as famílias conseguiam o abastecimento de peixe por se dedicarem à faina da pesca, sendo que o que não era consumido era depois conservado através da salga, do fumeiro ou da secagem ao sol. “No interior, pescava-se nos rios (…) mas também em pesqueiras, tanques e poços afeiçoados nos cursos de água. (…) Mas principalmente no Inverno algum pescado podia chegar da costa, sardinha salgada, por exemplo, acessível a todas as bolsas camponesas.”[6] O interior recebia peixe salgado e, ainda, em conserva.
[1] RIERA-MELIS, Antoni, “Sociedade Feudal e Alimentação (séculos XII-XIII)” in História da Alimentação, vol. 1, MONATANRI, Massimo; FLANDRIN, Jean-Paul (coords), Terramar, 2001, pp. 27
[2] GONÇALVES, Iria, “A Alimentação” in História da Vida Privada em Portugal, A Idade Média, MATTOSO, José (coord), Círculo de Leitores, 2010, pp. 230
[3] RIERA-MELIS, Antoni, “Sociedade Feudal e Alimentação (séculos XII-XIII)” in História da Alimentação, vol. 1, MONATANRI, Massimo; FLANDRIN, Jean-Paul (coords), Terramar, 2001, pp. 27
[4] MARQUES, A. H. de Oliveira, A Sociedade Medieval Portuguesa, Livraria Sá da Costa, 1987, pp.8
[5] ARNAUT, Salvador D., A Arte de Comer em Portugal na Idade Média, Colares, pp. 20
[6] GONÇALVES, Iria, “A Alimentação” in História da Vida Privada em Portugal, A Idade Média, MATTOSO, José (coord), Círculo de Leitores, 2010, pp. 238