Fevereiro 10, 2021

Terá sido uma aventura engraçada aquela de ir experimentando as várias partes das plantas. Gosto de ir pensando nas caras feias, nos vómitos, nas más disposições de várias ordens, nas cefaleias e até espasmos que muitos dos nossos antepassados devem ter experimentado com as várias provas que iam fazendo.
O sorriso, falta o sorriso. Talvez tenhamos de aprender a sorrir com o olhar. E ao mesmo tempo, perceber que os direitos de cada um não podem apagar o bem-estar e a felicidade dos povos. O pretenso avanço das sociedades modernas com a sacralização dos direitos individuais não deve contrariar séculos e séculos de cooperação humana.
Os sorrisos, o brilho nos olhos, a agitação das mãos e o avivar da memória das mães e das avós que “nunca deixavam passar os dias de festa sem aquele comerzinho melhorado” deixou-me com a certeza de que temos uma dívida para com o Guisado. E as Beiras sabem disso, a festa do povo beirão é no guisado que encontra o seu final feliz. Vamos celebrar o Guisado Beirão?
Para além dos “santuários” da boa cozinha regional que sabemos existirem e que satisfazem a nossa gula e acalmam as nossas depressões gastronómicas, às vezes sinto um vazio. Sobretudo em algumas cidades. Às vezes, é difícil conseguir uma boa referência para aconselhar amigos ou para uma boa noite de conversa à volta dos pratos e da conversa.
Neste tempo que convida a olhar a cozinha como companhia e as panelas como abrigo da nossa inspiração, lembrei-me de como as receitas inundam as redes sociais. Queremos que na nossa cozinha e sala de jantar esteja o mundo todo, o mundo que nos acolhe e com o qual vamos partilhando as dores e alegrias dos nossos dias.
Talvez o melhor conselho seja passar o Inverno e deixar que a tempestade amaine. Afinal, soubemos sempre resistir. No entanto, para já sinto-me a viver num mundo que parece estar às escuras. E não gosto. Alerta.
A gastronomia é de todos e não é de ninguém. Em cada receita, em cada pedaço de arte culinária mora uma propriedade que é de coração, nunca de propriedade absoluta. Poderemos ter a receita da nossa mãe, da nossa avó, da nossa tia, da nossa vizinha. Mas não somos últimos proprietários dela. Somos apenas elo na cadeia, passo intermédio entre o dado e o futuro.
Faz parte da cultura gastronómica saber provar, identificar o gosto, perceber a receita. Isso, ou então continuarmos a arregalar os olhos para os Bolos Reis que aparecem brilhantes e carregados de cor. Boas provas e, já agora, Feliz Natal!
Sem discursos saudosistas, vou continuar a selecionar os bons Pastéis de Nata, aqueles que merecem ser chamados de tal. Aqueles que me põem água na boca mesmo quando não quero ou não posso. E é quando ponho os olhos na crosta aqui e ali queimada, às vezes levemente levantada, e agarro o Pastel de Nata e o prendo entre os dentes numa dentada suculenta de massa estaladiça e de creme guloso que percebo como é fácil ser feliz. É só ter um Pastel de Nata.
Os nossos mercados de rua precisam de nós. Hoje, em Tentúgal, a feira estava a meio gás, metade dos feirantes, quase sem clientes. Talvez tudo seja um reflexo da mudança que o mundo tem. Mas, na verdade, pouco tem sido feito por estes mercados para além do discurso bonito de reativar os mercados de cadeia curta ou de proximidade. Este feijão avinhado, pouco conhecido aqui por Tentúgal, veio do Seixo e diz que é bom para a feijoada, sobretudo, de caça. “Fica a feijoada mais vermelhinha e saborosa”.
Ao Sabor de Portugal